domingo, 23 de janeiro de 2011

QUE TODAS AS FORÇAS DA NATUREZA PROTEJAM ESTA "JOIA MODERNA" QUE ACABA DE NASCER! Uma nova gravadora para um novo tempo!


* Copiado do site do DJ Zé Pedro http://djzepedro.uol.com.br/web/texto/


Ontem de manhã quando acordei, olhei a vida e me espantei: minha gravadora Jóia Moderna chegava ao mercado. Mas afinal de contas por que eu tomei essa iniciativa tão inesperada e romântica ?

A criança que eu fui ouvindo e assistindo a esse enorme e, muitas vezes inexplorado, mundo de cantoras que existe nesse país, sempre me causou amor e dor: de um lado um orgulho irrestrito dessas vozes que me mostram diariamente que a música no Brasil é muito mais que um bando de três ou quatro que insistem em nos mostrar composições medíocres, dubiedades sexuais vulgares e talentos que enchem ginásios e teatros mas não dizem nada. Habitam também,aqui nesse nosso território, uma imensidão de mulheres que trazem consigo uma bagagem de boas intenções, uma musicalidade nata nas veias, uma emoção de mil watts e que o mercado insiste em desprezar e maltratar. Algumas desistiram depois de tanto suor e lágrimas, outras nem chegaram a nascer, diante de tanto descaso e necessidade de revelar apenas o efêmero. E foi assim que eu resolvi fazer justiça com as próprias mãos. Nasceu então a Jóia Moderna.

Há algum tempo que acompanho de perto o trabalho incansável e muito bem realizado do produtor Thiago Marques Luiz, um moleque de trinta anos que poderia muito bem estar aproveitando sua vida atrás do trio elétrico ou escutando no seu Ipod imbecilidades cuspidas pelas rádios de hoje e que teve a insana e maravilhosa decisão de viver de música no Brasil, iluminando vozes que ficaram para trás no passado de nossa história musical ou recriando antigos compositores como Ataulfo Alves e Adoniran Barbosa em sensacionais discos/tributos que sempre misturam a velha e a jovem guarda da MPB. Fomos nos aproximando por afinidades, desenvolvendo idéias em comum e chegamos à decisão de que, para realmente sacudirmos a mesmice, o jeito seria termos nosso próprio terreno para a execução de alguns sonhos. E aqui está a Jóia Moderna.

O primeiro fruto gerado dessa comunhão musical entre eu e Thiago é o tributo de quatorze vozes femininas interpretando Taiguara, o compositor das multidões no Brasil dos anos sessenta e setenta e o, esquecido ou quase desconhecido, artista que ele se tornou após esse período, nesse país que seguiu em frente e deixou para trás seus artistas geniais. Muitas vezes ligávamos para algumas cantoras e nos sentíamos dois idiotas insistentes, porque muitas não conheciam Taiguara e se mostravam confusas entre aceitar ou recusar o convite por insegurança ou por desconfiarem de não estarem gravando algo que lhes gerasse uma mídia imediata ( necessidade que muitas tem hoje em dia, escravas do sucesso de quinze minuto). Ao mesmo tempo , outras cantoras que presenciaram e sempre souberam da força das composições de Taiguara, mantinham em seus cofres fechados, uma antipatia afetiva com ele e se recusavam a cantar sua obra por motivos pessoais. E assim fomos enfrentando esses moinhos de impossibilidades e conseguimos fazer um disco de resultado, espero eu, emocionante e iluminador dessas canções que eu, ainda menino com minha mãe , aprendi a cantar e ouvir. Vozes emocionantes como Fafá de Belém , Claudette Soares e Evinha somadas a promessas de um novo mundo como Verônica Ferriani, Luciana Mello e Aretha fizeram desse disco um ato de criação e emoção.



Cida Moreira é cantora dos amores perdidos, das alegrias pouco comuns e das dores irreparáveis. Despreza em seu repertório doçuras fáceis e suavidades banais. E foi assim que escolhi essa voz para ser a companheira do meu quarto de adolescente, das minhas noites mais difíceis, dos meus dias ensolarados cheios de nuvens negras. Os discos de Cida Moreira são para pensar. Nem pense em lavar a louça e deixar sua voz ao fundo, você não terá sossego. Cida Moreira é para refletir. Depois de Cartola, trilhas de cinema, registros camerísticos e muitos mergulhos na obra de Tom Waits e Kurt Weill, ela retorna ao mercado com o álbum que carimba, definitivamente sua biografia musical: A Dama Indigna. Gravado em duas sessões ininterruptas de suor e lágrimas, Cida cantou o que quis e o que nem ousaríamos pedir. Aquele Chico Buarque que tanto queríamos ouvir em sua voz, está aqui. Uma Amy Winehouse que todos pediríamos de joelhos para ela interpretar, também aparece nesse disco. E entre essas duas citadas, um rio de emoções e seus afluentes: Caetano Veloso, Jards Macalé, David Bowie e George Gershwim. Tudo misturado e intenso como só Cida Moreira sabe cantar e viver.

Zezé Motta é uma atriz para a maioria dos brasileiros. Zezé Motta é uma cantora para os mais atentos. Zezé Motta é fundamental. Seu primeiro álbum solo é de 1978, uma jóia rara para quem o conheceu. Ali Zezé misturava com propriedade, nobreza e personalidade canções de Rita Lee, Moraes Moreira, Gilberto Gil e....Luiz Melodia que lhe deu seu primeiro grande sucesso, a balada Dores de Amores. Anos mais tarde, em seu terceiro disco, Zezé gravaria uma canção emblemática e cultuada chamada Sem Essa de....Jards Macalé. Então a idéia que eu e Thiago havíamos tido de Zezé gravar a obra de Macalé e Melodia, já era uma lâmpada acesa desde sempre na vida musical dessa voz potente e iluminada. E foi assim, que numa bela tarde de bons presságios, ligamos para Zezé e a convidamos para viver esse sonho de gravar um disco misturando a obra desses dois compositores que são malditos para muitos e geniais para quem gosta de boa música. Chamamos três jovens cabeludos e maravilhosos que criaram arranjos tropicalistas, abusados e inesperados para canções que sempre estiveram no inconsciente musical de Zezé e que ela toma coragem agora de gravar e jogar para o mundo. Salve a negra melodia de Zezé Motta !

A cantora Silvia Maria é uma aparição bissexta na música brasileira. Seu primeiro disco é de 1973, seu segundo registro é de 1980 e assim se passaram 30 anos sem eu ver seu rosto, sem ouvir sua voz. Até que um dia recebo um telefone do meu amigo e produtor Thiago Marques me convidando para o inevitável: um show de Silvia Maria num escondido e pequeno auditório dentro do estacionamento do Memorial da América Latina aqui em São Paulo chamado Sala dos Espelhos . Ali, sentado de frente para um minúsculo palco, assisti ao show que minha alma e meus ouvidos pediam há muito tempo. Ao final, feito uma criança mimada que não aceita recusas, convenci, em tom de fúria e emoção, Silvia Maria a gravar esse disco que se chama, não por acaso, Ave Rara. O cristal potente de sua voz e o repertório irrepreensível dessa intérprete vai levar você de volta para o antigo mundo das exigências, um tempo em que o público pedia boa música e recebia em troca relíquias musicais para toda a vida. Todos os compositores escolhidos por Silvia para estarem nesse disco são dignos dos nossos maiores aplausos: Milton Nascimento, Baden Powell, Eduardo Gudin e Vinicius de Moraes. Silvia Maria voltou. Dessa vez para sempre, se Deus quiser, como dizia aquele antigo samba-canção.

E aí estão meus quatro primeiros sonhos de menino chegando às lojas, corações e ouvidos do Brasil. E minha cabeça não para: imagino novos discos, relembro cantoras escondidas no escaninho do meu coração e fico atento aos novos talentos que não param de chegar. Porque o Brasil é um celeiro de cantoras. Um país feito de vozes que clamam por espaço e liberdade. A Jóia Moderna está aí para ser mais um espaço de manifestação para essas mulheres. Para essas insistentes sonhadoras que, como eu, ainda acreditam que essa terra, um dia, vai cumprir seu ideal.

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